sexta-feira, 1 de abril de 2011

Uma Kombi, quatro amigas e eu


Era noite de domingo, véspera do dia de que meu amor mais gosta da semana, o dia da renovação: segunda. Mas, era também o dia de cinzas de um sábado muito efusivo, irresponsável e profanador. Tinha passado dos limites. Zanguei-me em casa e saí para Li-ber-da-de - o bairro que me justifica existencialmente.

Porém, não vou falar de queixas amorosas. O assunto aqui é a travessia Periperi - Liberdade, às 22h de domingo. Depois disso, aprendi que o tratamento de coração se faz dentro de uma Kombi, na alegria e desespero de uma Kombi!

Então, vamos lá! Juntei três camisas, uma calça, notebook na mochila e lá fui eu. Embarquei no Mirantes de Periperi via Imbuí, vazio. Os dois ou três que tinham carregavam nas ventas a cerveja gelada de um domingo de sol. Soltei no Largo do Tanque e peguei o segundo para o Sieiro... com mais do mesmo, o povo ensopado de cerveja. Não deram 10min de chegado, resolvi voltar para casa em busca do meu amor (grosso ou hostil, meu!). E é aí que começa a oficina cardíaca...

Peguei um Fazenda Grande, e mais cerveja, e mais gente bêbada, e soltei de volta no Largo do Tanque. Passado mais de 30min, apareceu uma Kombi típicas do Brasil high-tech (sem portas, com arames, sem estofados, mas com mta espuma e banquinhos de madeira... mais de 15 pessoas dentro) e, sem pestanejar, me joguei.

A Kombi, assim como meu coração, não se aguentava em pé. Música de fundo: uma música gospel neopentencostal... cujo coro era "é fogo, é fogo, é fogo... queima o coração dele..." Parecia que tudo, ali, falava de mim. Dei por mim no meio do banco entre 4 amigas muito divertidas e corpulentas, daquelas negras que alimentam o imaginário local e estrangeiro. As meninas, como que para fazer a viagem passar, estavam ressignificando o sentido da música: o fogo da músico já era o delas, como anunciavam, e se mexiam numa cadência que, se não era excitante para mim, era bastante engraçado.

O motorista, sonolento, guiava o carro bastante introspectivo. À frente, com certeza, era o casal de A última crônica, de Fernando Sabino: a mãe, o pai e a filha pequena, bem penteada com uma fatia de bolo. Cena inesquecível. Ao lado do motorista, numa Kombi, 5 pessoas... trabalhadores de shopping, com certeza... sacolas de roupa e fardas acusavam.

Na altura da Baixa do Fiscal, todos tiveram oportunidade de conversar. Uma daquelas Blitz de periferia parou a Kombi, mas não sob protestos, especialmente os das irmãs cajazeiras que logo cuidaram de dar nota aos policiais: "Hum gostoso, olha prali, menina!!". A outra: "Me prenda, Seu Polícia"... Risadas sem economia. Para além das críticas moralistas, adorei: elas eram espóticas. Desce ou não desce, os Policiais, adivinhos da minha pressa e da insanidade da lógica do transporte público e daquele em especial, resolveram deixar a Kombi passar.

As fofocas logo começaram e a folia reinou. Elas começaram a me atacar, a brincar e a perguntar o que eu estava fazendo ali, já que tinham pego ônibus comigo na ida (não tinha prestado atenção), mas, na certa, se voltávamos no mesmo rastro através do qual fomos, era por alguma razão, quero acreditar. Folia dentro do carro, os meninos do fundo já 'vançaram nas meninas... Festa pronta! Desci em Periperi acreditando na Humanidade e pensando: tem gente que sabe viver. As condições eram desumanas, mas o jeito era seguir. Fiquei cheio, porque despertei desejos, nem pisei no chão. Barriga murcha, marchei em direção ao ponto de ônibus, na certeza de que todos me olhavam e estavam a me venerar.

Ficção! E como tal, numa íntima relação com o tal do R$! Curado das dores, podia voltar para casa, deitar na cama e dizer, insolitamente, eu te amo, Mali!


4 comentários:

  1. Adorei seu relato e enquanto lia fui visualizando todas as cenas descritas.

    Salvador é realmente uma cidade espótica!

    Espero saber mais de você através de sua escrita, por isso, não deixe de atualizar seu blog!

    Beijinhos

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  2. AMEI! E um dia ainda vou entender de onde vem o nomezinho "Mali"... Seria segredo de amantes?

    Beijos!

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